Oco
ele era forte, alto, um rosto comum, de beleza a lapidar. nos conhecemos em meio aos delírios de madrugada em uma multidão sem rostos e formas confusas derretidas. no inicio, ele era o estereótipo perfeito do homem vazio, completamente preso a padrões e replicador de falas prontas.
era perfeito: nunca me apaixonaria por alguém daquele tipo.
vivíamos nas sombras, era o corpo que me esquentava sem fazer perguntas. eu sabia seus horários livres e ele os meus, prático, todos ganhavam. Conversávamos sobre futilidades, você falava de coisas que queria comprar ou que já possuía, contava seus hábitos saudáveis de levantar peso e alimentação regrada… enfim, uma vida voltada para fazer de si o espetáculo visual que todos iriam invejar. era repugnante de ouvir e extremamente prazeroso de tocar.
Logo eu, que me orgulhava de conversas profundas por horas, estava cedendo a tudo que sempre repudiei. Até mesmo o mais oco, quando leva batidas, emite sons e já não é tão desguarnecido.
Ele queria ter sido arquiteto, mas não era profissão de homem. fez engenharia como o pai queria, colava em todas as provas, mas se formou. era do interior, filho único, criado por uma mãe calada e um pai que sabia tudo. Dizia não se apaixonar por ninguém, afirmava com muita certeza que todas se derretiam por ele.
eu via um homem fraco, inseguro, que acatava as vontades da família e que acreditava não merecer amor. Pouco a pouco, a compaixão superou a aversão e passei a entender o mundo de deveres de homem, do qual ele fazia parte.
paramos de nos ver, já não era mais a mesma coisa. no final das contas, nada é superficial, somo todos complexos, alguns escolhem oferecer aquilo que é o esperado, outros buscam alguma identidade.

